segunda-feira, fevereiro 14

No reino do vale tudo

Santana Lopes decretou dois dias de luto nacional por causa da morte da Irmã Lúcia, em pleno período de campanha eleitoral. Alguns críticos da decisão têm invocado que deve prevalecer a separação entre o Estado e a Igreja. É um argumento sólido e racional, tanto mais que a morte da vidente de Fátima parece não ter gerado uma comoção generalizada.

O que já não é tão aceitável é o julgamento sumário dos líderes partidários, que decidiram interromper ou alterar os respectivos programas de campanha eleitoral. D. Manuel Martins, uma das vozes mais respeitadas e inconformadas da Igreja portuguesa, devia ter mais cuidado quando acusa os políticos de oportunismo político. A pressa em atirar uma pedra aos políticos deixa muito a desejar de uma autoridade da Igreja, cuja caridade devia começar por casa. E, nesta matéria, há tanto a fazer pela Igreja nos tempos que correm. Felizmente, D. Januário Torgal, apesar de alinhar na tese do pecado da oportunidade política, é mais moderado, pois critica os dirigentes políticos ainda que assegurando que não pretende julgar ou condenar ninguém.

A decisão de Santana Lopes está sujeita a todo o tipo de interpretações, umas legítimas outras bem enviesadas. A mais retorcida, talvez a mais hilariante, é a da vantagem política e eleitoral. Não faltam iluminados que insinuam que a decisão foi tomada porque favorece eleitoralmente quem a tomou. Assim, e para que fique claro, os defensores desta tese sustentam, mais ou menos sibilinamente, que Santana Lopes e Paulo Portas, sem esquecer José Sócrates, entre outros, decidiram suspender ou alterar as campanhas com o objectivo de obterem mais votos nas próximas eleições de dia 20.
Um raciocínio tão rápido e tão inteligente, de quem não apresenta uma única justificação do que está a dizer, tem o mérito de impressionar. É obra! Mas vale o que vale, apenas um punhado de sound bytes.
Dito isto, o mais extraordinário é que, para já, ninguém teve a honestidade intelectual de denunciar a consequência lógica do argumento de aproveitamento político: o perigo dos resultados eleitorais serem desvirtuados por uma decisão de Estado, alheia ao processo de esclarecimento dos portugueses. A razão é simples. Obviamente, ainda há a noção do ridículo e algum pudor em chamar estúpidos aos portugueses.

É legítimo opinar, com total liberdade, mas é preciso manter a objectividade, a coerência e a credibilidade. Ou será que vale tudo para alcançar outras reacções, essas sim com o intuito de influenciar o voto dos portugueses?

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