quarta-feira, dezembro 15

Muito mais do que uma questão de amizade

O meu amigo João Pedro Henriques, um dos jornalistas talentosos da nossa praça, tem destas coisas, e ainda bem. Apoiar um amigo é nobre, interceder por um colega é normal, mas defender o indefensável não é aceitável.

Respondo ao JPH, revelando que também sou amigo do David, porventura não tanto, que o conheço como jornalista, talvez um pouco pior, e que não concedo que o debate seja condicionado por considerações supérfluas, ainda que legítimas, que não se confundem com a questão de fundo: os assessores e os jornalistas.


Dito isto, vamos ao filet mignon.
No caso vertente, a entrevista ao ministro Morais Sarmento, não tenho dúvidas em afirmar que David Dinis cometeu um erro. Prestou um mau serviço ao jornalismo. A minha apreciação não tem qualquer relação com o teor da entrevista, que, aliás, é reveladora da falta de imaginação do dirigente do PSD, e , eventualmente, do constrangimento do jornalista ao entrevistar um membro do Governo com quem trabalhou.
Mas é desajustado, e muito pobre, invocar a má-fé de terceiros - ainda que justificada -, dos que têm o direito a interpretar, comentar e criticar quem escreve, para defender que um ex-assessor possa entrevistar, quatro meses depois, um membro do governo com quem trabalhou, directa ou indirectamente.
O critério deve ser outro, sobretudo quando os jornalistas, sistematicamente, apontam o dedo aos ministros e altos responsáveis políticos, que ocupam lugares em empresas que tutelaram.
Os jornalistas devem salvaguardar a transparência, evitando tratarem matérias para as quais não têm, ou não sentem, o distanciamento necessário e suficiente. Fazer uma entrevista com um amigo ou com um inimigo é desaconselhável porque o jornalista está, emocionalmente, condicionado; tratar um tema, em que se é parte, é irresponsável e desonesto porque subverte o espírito de independência que deve caracterizar o exercício do jornalismo.
Não me choca que os jornalistas possam estar do outro lado do poder. Aceito que a experiência obtida ao lado do poder pode ser uma mais valia profissional. Vivendo e trabalhando ao lado dos governantes, aprende-se como é governar, simular e mentir. Este conhecimento permite ao jornalista, perante o fenómeno político-mediático, ter um músculo maior para separar o trigo do joio.

A questão ultrapassa a simples apreciação moralista e subjectiva.
Defendo regras claras, que não estejam sujeitas ao arbítrio, aos critérios de oportunidade e de amizade pessoal ou partidária. Sou favorável à separação de carreiras, como acontece, por exemplo, no Brasil.
Tudo o resto é uma questão de consciência. E, como tal, cabe a cada um, em cada momento, fazer a avaliação do que está em causa. Todavia, retirar a possibilidade de outros exercerem o direito de escrutínio sobre os actos dos jornalistas - ainda que representem jogos pessoais ou políticos, em que vale tudo, na maior parte das vezes muito pouco - é indefensável.

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